Cores do depois

Um dia, meio ao acaso, eu conheci uma menina que acreditava que podia viver de sonhos. Louca e fantástica menina. O nome dela era Solange.
Nos vimos pela primeira vez na fila da vidente que tinha no ‘Vida Parque’. Ela estava com olhos verdes, cabelo vermelho e sapatos cor-de-burro-fugido.
Logo sorrimos uma para outra, ela me disse bem assim:
_ 'Que linda blusa rosa. E olha, seus olhos estão amarelos e sem medo.’
Fiquei um pouco surpresa ao ouvir sua voz, era doce como chocolate branco e tão suave quanto um beija-flor, demorei um pouco a responder:
_ É que não tenho medo do amanhã e as vezes é interessante ver um pouco de cor de rosa, apesar de estar cinza ultimamente.
Ficamos em silêncio, Solange cantava uma música que eu não conhecia. A fila ia andando, a próxima era ela e logo depois, eu.
A menina não falou, apenas me puxou e fez um gesto para que eu entrasse, parecia que ela não estava pronta para saber o futuro.
A sala da vidente era escura, havia apenas duas cadeiras vermelhas de plástico, uma mesa de madeira, uma bola de cristal e a velha senhora, com grandes brincos dourados, nariz comprido e maquiagem forte e borrada.
Assim que eu sentei a senhora começou:
_ "Vejo muitas cores em seu futuro. Logo choverá girassóis e brilhará vermelho em seu coração. Um moço azul com queixo alongado lhe fará feliz. Terá uma vida agitada e conhecerá várias partes do mundo. Tome cuidado com as amizades. Se precisar, escolha ser verde. É só isso que vejo. Pode ir embora!"
A cara dela se retorceu numa careta, fiquei assustada e saí de lá correndo.
Solange me esperava sentada no chão comendo algodão-doce lilás. Sentei ao seu lado.
_ 'O que ela disse?’ - Solange mal se continha de curiosidade.
_ Que terei muitas cores em minha vida.
_ 'E isso é bom?’
_ Ela disse que sim, mas não sei ainda. Penso que uma vida monocromática é mais fácil de ver...
_ 'Mas não é. Sonhos são coloridos.'
_ Por que não entrou?
_ 'Medo.’
_ De que?
_ 'Ah, de acreditar no que ela me diria. Sabe, eu gosto de pensar que posso desenhar meu destino. Acredito em sonhos, a realidade me entristece. Não suporto quando me impõem algo, nem mesmo uma possibilidade.’
_ Se eu pudesse eu queria ter minha vida futura impressa num livro. Assim não me surpreenderia com nada. Saberia de tudo o que vou passar. Cores certas, sabe.
_ 'Isso seria monótono. Perderia a graça da vida. Você nem poderia sonhar... e sonho é o combustível que move o mundo.’
Eu não disse mais nada, ficamos sentadas comendo lilás, vivendo as entrelinhas dos nossos livros, que naquele momento tinha um capítulo igual.

Por Camila Blopes